A diversidade é um tema que está em alta no mercado de trabalho. O Episódio 08 do Podcast Seja Trainee em parceria com o Carreira sem Frescura tem como tema “A Importância da Diversidade”. Para um bate-papo sobre esse tema, os hosts Alexandro Schreiber, Felipe Lisboa e Gustavo Arôxa conversaram com a palestrante e Consultora Empresarial e de Carreira e parceira da Seja Trainee, Ana Minuto.
Ana trabalha auxiliando as empresas a co-criarem ambientes mais inclusivos e diversos, onde a sociedade seja refletida nesses números internos. Ela ressaltou que não se vê a diversidade espelhada nos espaços da empresa, o que não acompanha a complexidade do mundo.
Portanto, as empresas precisam acompanhar as mudanças. “Para ser inovador e acompanhar as mudanças críticas do mundo é extremamente importante trazer a diversidade para uma companhia. Quando se fala da questão racial, inclui-se também uma reparação histórica ao processo que culminou na favelização e marginalização da população negra”, destaca a consultora.
Um ambiente mais diversos e colaborativo, consequentemente, tem resultados melhores. Para Ana, a tecnologia trouxe esse poder de voz às minorias. Isso porque, a tecnologia nos deu a escolha do que assistir, escutar e etc. Contudo, ela também ressaltou que, no sentido contrário, a tecnologia também pode ser um motivo de segregação da população negra da , já que quando se fala de algoritimos, há um viés branco que exclui os negros.
Para se ter uma ideia das disparidades, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), dos mais de 12 milhões de desempregados do Brasil, mais da metade (cerca de 6,7 milhões) têm entre 14 a 29 anos. Nessa faixa etária de desempregados, 4,36 milhões são negros.
Sobre o programa de Trainee, Ana lembrou que os Programas para negros não são uma novidade no Brasil. Contudo, destacou que o momento único da pandemia do novo coronavírus (Covid-19) fortaleceu esse processo e o fez parecer mais urgente, já que as pessoas passaram a ficar muito tempo dentro de suas casas repensando a vida e as relações.
Outro ponto importante, foi a questão estadunidense que envolveu a morte de George Floyd no mês de maio de 2020 por policiais brancos o que gerou o movimento #BlackLivesMatter (Vidas Negras Importam). Esse episódio fez com que as pessoas voltassem os olhos para a questão racial.
Apesar de ser um passo rumo à desigualdade, Ana avalia que ações como essa não são o suficiente.
“O maior desafio é a média gerência, que com o tempo vai limando a população negra. Por isso, já tem empresas que colocam como pré-requisito de receber uma promoção atender a diversidade. Não deveria ser assim, mas como não há consciência é preciso sentir no bolso para poder fazer melhor. Não é algo que porque é bonito ou porque é moda, mas sim algo que é preciso acontecer”, explica
Questionada sobre como é possível ter o discernimento de quem é negro ou não para que não ocorra injustiças na seleção, Ana acredita que é difícil não ocorrer injustiças quando se fala no Brasil e, quiçá, no mundo quando se fala questão racial.
“Uma coisa que a gente precisa ter muito clara é o processo de eugenia que a qualquer custo quis clarear o Brasil e a partir daí tirou o nosso direito de ser negro. Por isso, por muito tempo mesmo pessoas retintas não falavam que eram negras. Hoje se você conversar com uma pessoa negra que tem mais de 70 anos, ela vai se referir a uma outro preto como “pessoa de cor”, não vai se referir como negro porque negro é uma coisa ruim, logo não podemos ser”, avalia a consultora.
Ana prossegue dizendo que uma causa para este apagamento de identidade é o processo de embranquecimento pelo qual nosso país passou e que dificulta o entendimento das pessoas como negros.
“Devido a nossa realidade, ser negro está relacionado com a consciência racial, no sentido da onde você veio, sua construção identitária. A pessoa precisa se identificar e se enxergar como negro e é preciso também que haja o senso de justiça individual”.
Felipe Lisboa contou também um pouco de sua experiência. “Eu sou um trainee negro de uma empresa multinacional. Então, não vejo, realmente, nenhum outro par na mesma situação que eu. Inclusive, uma das coisas que sempre escuto quando vou apresentar algum projeto ou quando falo com alguém é aquela frase assim ‘nossa, mas você nem tem cara de trainee’. Por que não tenho cara de trainee? Às vezes as pessoas podem até falar isso sem pensar muito. Mas a cara do trainee, qual é a cara do trainee? É um homem branco com uma condição social média e é dessas formas que eles enxergam”.
O questionamento sobre como deve aparentar um Trainee perpassa que o imaginário do branco egocêntrico e eurocêntrico só existe um padrão de bonito, um padrão para ser CEO, um padrão para ser líder. O racismo enfraquece o inconsciente de que os negros não são capazes, porque no viés coletivo os negros devem ocupar somente posições subalternas e nunca mandando.
Para finalizar Ana Minuto falou como todos podem contribuir para a causa da diversidade. “O primeiro ponto é se reconhecer como racista, porque você não é capaz de enfrentar algo que não conhece. O segundo ponto é conhecimento, já que não adianta combater algo que se desconhece. É preciso entender como as coisas se dão para que você consiga dentro de seus privilégios atuar na causa. O outro ponto é usar seus privilégios para auxiliar a pessoa negra, no que diz respeito ao networking. É preciso vivenciar a diversidade e ter força de vontade para sair da sua zona de conforto e questionar o status quo”, conclui.
Escute o Episódio #008 do Podcast Seja Trainee acessando o link abaixo:
A polêmica do Trainee para Negros do Magalu: Existe racismo contra brancos?
Iniciativas que são pensadas para romper a as desigualdades raciais costumam provocar reações acaloradas, como é o caso das cotas destinadas para negros em universidades e, mais recentemente, Programas de Trainee com vagas somente para negros.
O Magazine Luiza foi uma das empresas que causaram polêmica a lançar um Programa de Trainee Magalu 2021 destinado somente para negros. Entre os benefícios do processo estava salário de R$ 6.600 reais e bolsas de inglês. A empresa foi muito atacada nas redes sociais por conta dessa iniciativa, mas se manteve firme e levou a proposta adiante.
O Magalu foi fundado no final de década de 1950 e possui cerca de 40.000 funcionários. Ainda que 53% desses postos seja ocupados por negros ou pardos, somente 16% estão em cargos de liderança. No conselho administrativo da empresa não há nenhum negro. Infelizmente, este cenário é semelhante em muitas instituições.
Após divulgar o programa de trainee, a hashtag #MagazineLuizaRacista rapidamente ganhou as redes sociais. O vice-líder do governo na Câmara, o deputado Carlos Jordy (PSL-RJ) entrou com uma representação no Ministério Público dizendo que o Programa era racismo contra brancos, asiáticos e indígenas. Até mesmo o presidente da Fundação Cultural Palmares, Sérgio Camargo, reforçou o coro dizendo que o Programa era uma forma de legalizar o racismo em nosso país.
O Magazine Luísa se defendeu citando uma nota técnica do Ministério Público do Trabalho (MPT) que regulariza a discriminação positiva, ou seja, que é aquela que beneficia desvantagens socioeconômicas. Entretanto ainda assim, Carlos Jordy seguiu na representação dizendo que notas técnicas não possuem força de lei e que no Brasil não há raça e sim uma cultura diversificada.
A questão de preconceitos contra brancos é negada por especialistas. No artigo “Falar em racismo reverso é como acreditar em unicórnios“, do livro Quem tem medo do Feminismo Negro?, a filósofa Djamila Ribeiro aborda essa questão.
“Em quase todas as discussões sobre racismo aparece alguém para dizer que já sofreu esse tipo de preconceito por ser branco ou que isso aconteceu com um amigo. Este texto é para essas pessoas”, inicia Djamila.
Para a não existência do racismo contra brancos, a filósofa se atém a conceitos.
“Racismo é um sistema de opressão e, para haver racismo, deve haver relações de poder. Negros não possuem poder institucional para ser racista. A população negra sofre um histórico de opressão e violência que a exclui.
Para haver racismo reverso, precisaria ter existido navios banqueiros, escravização por mais de trezentos anos da população branca, negação de direitos a ela. Brancos são mortos por serem brancos? São seguidos por seguranças em lojas? (…) Quem detém os meios de produção? Há uma hegemonia branca criada pelo racismo que confere privilégios sociais a um grupo em detrimento de outro”, esclarece a filósofa.
No artigo “Ser contra as cotas raciais é concordar com a perpetuação do racismo“, do mesmo livro, a autora fala que “é comum as algumas pessoas não entenderem por que afirmamos que os contrários as cotas sociais são racistas. Há quem pense que racismo diz respeito somente a ofensas e injúrias, sem perceber que vai muito mais além: consiste em um sistema de opressão que privilegia um grupo social em detrimento de outro”.
“A população negra trabalhou para enriquecer a branca, incentivou-se a vinda de imigrantes europeus para cá. Tiveram acesso a trabalho remunerado e, muitos deles inclusive receberam terras do Estado brasileiro – o que não deixa de ser uma ação afirmativa (…). Em contrapartida, para a população negra não se criou mecanismos de inclusão. Das senzalas fomos para as favelas. Se hoje a maioria da população negra é pobre é por conta dessa herança escravocrata. É necessário conhecer a história deste país para entender por que certas medidas, como ações afirmativas são justas e necessárias”, chama à reflexão Djamila.
Portanto, Programas como o Trainee Magalu não vão retirar a oportunidade de jovens brancos no mercado de trabalho, mas sim oferecer oportunidades para o grupo que historicamente está à margem.
Felizmente, o Magazine Luiza não está sozinha nessa. A Bayer também lançou um Programa e Trainee 2021 com vagas especificamente para negros. A Ambev tem um Programa de Estágio pata pretos e pardos de todo o Brasil. Google, P&G, Cyrela, Vale, Vivo, Braskem e Santander também são empresas com projetos semelhantes.