A pandemia surpreendeu a maioria, se não todos, os profissionais do mercado. Não só pelo viés econômico, como também pelo pessoal. O decreto da quarentena forçou o trabalho remoto e mesmo aqueles que nunca haviam trabalhado de casa tiveram de se adaptar. Sem a necessidade de se locomover, sem o trânsito para atrapalhar, sem pausas prolongadas de almoços e nem reuniões do outro lado da cidade, muito tempo foi economizado. Eu mesma acabei economizando um total de 5 horas diárias que, no contexto “normal”, gasto para me locomover de transporte público.
Costumava evitar olhar para essa quantidade de horas como uma “perda de tempo” e sempre procurava otimizá-las, fosse vendo um documentário enquanto esperava o trem na CPTM, lendo um livro no ônibus durante a minha ida ao trabalho, enfim, sempre senti essa pressão de usar o tempo para algo produtivo, para não chegar no fim do dia e sentir que o desperdicei.
Achei que ganhar essas horas “para mim” durante a quarentena seria positivo, o fim do desperdício e começo da otimização, mas confesso que ter tempo na realidade aumentou consideravelmente a pressão por precisar ocupá-lo com atividades úteis. E acredito que esse fenômeno não aconteceu apenas comigo, todos os dias me deparo com amigos e colegas malhando na sala, lendo o máximo de livros possível, fazendo maratona de cursos e, claro, publicando tudo para seus seguidores, pois se não postamos, nem conta, né?!
No começo eu admito que até tentei manter o ritmo, porque oras, quando teremos todo esse tempo de novo, não é mesmo? Estamos sempre reclamando de não ter tempo, então agora que temos de sobra precisamos aproveitá-lo, certo? Estabeleci metas de ler um livro por semana, conquistar certificações online, me exercitar todos os dias de segunda a segunda e sempre postar, em uma tentativa de validar o que estava fazendo.
Já na primeira semana notei que seria insustentável. Ainda estava me ajustando ao estágio remoto, aprendendo a lidar com as aulas à distância, tinha que ajudar minha família em casa e ao mesmo tempo lidar com as angústias de viver em meio a uma pandemia. Terminava o dia tão cansada e confusa emocionalmente que não tinha vontade de ler ou me exercitar, e sim, de me afundar em filmes e sorvete. O problema nisso? É que me sentia culpada porque as pessoas lá no Instagram provavelmente estariam assistindo a um webinar de prestígio ou uma live que promete mudar o rumo do mundo. Uma pressão muito grande em um período muito sensível que ninguém nunca vivenciou até hoje.
Precisei respirar fundo, parar para pensar e só com tempo e me acolhendo realmente abri os olhos e desconstrui o conceito da necessidade da produtividade excessiva. Todo dia é uma descoberta, todo dia é uma emoção diferente e está tudo bem lidar da forma que melhor lhe convêm. Entendi que preciso me respeitar e aí sim comecei a usar meu tempo livre de forma útil. Sem nem me forçar, comecei a acompanhar minha mãe em seus exercícios físicos e, hoje, fazemos com bastante frequência, mas também aceitamos os dias que bate aquela preguiça e ficamos de bobeira no sofá. Em um fim de semana ensolarado estava saturada da internet e acabei pegando um livro que minha amiga me emprestou há um certo tempo, passei o dia lendo e quando me dei conta já estava começando o segundo. Na semana passada minha irmã me indicou um site de cursos online e ontem, que estava mais tranquila, resolvi dar uma olhada e acabei me interessando por um dos temas disponíveis, que inclusive tinha muito conteúdo relacionado à área em que atuo, então me inscrevi.
No fim, em meus 67 dias de quarentena já li um livro e meio, completei um curso online que realmente tinha interesse, terminei algumas séries, vi todos os filmes indicados ao Oscar 2020, além das comédias românticas que dão aquela aliviada na tensão diária, acertei a receita de petit gateau, inventei os designs de unha mais doidos, mas a atividade mais valiosa foi aprender que não devemos nos cobrar respostas padrão em um momento tão delicado. Devemos nos cuidar, respirar fundo, lidar com um dia de cada vez, descobrir o que nos faz bem e seguir dessa forma, pois só assim nos sentiremos não só produtivos, como também mais leves.
Ana Laura Marques
Estagiária de Marketing na Robert Half